quinta-feira, 22 de junho de 2017

GUEDES DE CARVALHO & SENA


Hoje na Sábado escrevo sobre O Pianista de Hotel, de Rodrigo Guedes de Carvalho (n. 1963), que regressa ao romance após um intervalo de dez anos. Sem surpresa, a prosa clara dispensa todo o tipo de malabarismos semânticos. Mesmo em sottovoce, o autor impõe uma dicção própria. Foi assim nos romances anteriores e o timbre mantém-se inalterado. Narrador autodiegético, Guedes de Carvalho intromete-se na narrativa com gozo evidente. Percebemos logo nas primeiras páginas que é de solidão e perda que o romance trata. E que o faz sem rodriguinhos, antes com uma escrita segura, elegante, atenta à prosódia da língua: «Luís Gustavo nunca a conheceu, e pela vida fora quase nem falará dela, até que um dia começará a pensar nela, quando já seria tempo de a ter esquecido, as coidas estranhas que fazemos sem lógica.» Guedes de Carvalho é muito hábil na forma como articula os factos descritos com o carácter das personagens. Ao arrepio de tanta prosa contemporânea, a sua ficção organiza-se sem ‘encenação’. Dito de outro modo, sem piscar o olho ao ar do tempo. O low profile é ilusório. Por várias vezes a narrativa deflagra em violência crua: «— Não passa de hoje vais dizer onde mora esse filho da puta...» A trama envolve sexo, bullying, imprevistos hospitalares, homossexualidade (o episódio do supermercado é deveras polissémico), violência doméstica, disfunção conjugal, morte, psicanálise, etc. Em suma, a vida como ela é. No fim, tudo conflui para o mesmo ponto, um conhecido hotel da Linha de Cascais. A sólida arquitectura romanesca dá a medida dos recursos do autor. Coisa rara na literatura portuguesa, as cenas de sexo são plausíveis e, graças à utilização correcta dos verbos, bem esgalhadas. Bem calibrado, o discurso não evita o vernáculo da oralidade. Poderá soar rude a espíritos mais sensíveis, mas nunca a linguagem comum foi decalcada de um missal. O fundamentalismo politicamente correcto vai torcer o nariz a certas passagens (a persona do autor potenciará esse condicionamento), mas a literatura não pode deixar-se capturar pela assepsia. O menos importante de tudo é o pianista do hotel. Quatro estrelas. Publicou a Dom Quixote.

Escrevo ainda sobre a publicação, em edição de bolso, de Sinais de Fogo, de Jorge de Sena (1919-1978). Um acontecimento. Trata-se de um dos romances mais importantes do século XX português, sucessivamente reeditado e esgotado desde 1979. Retrato ácido da educação sentimental dos jovens adultos de 1936, com a Guerra Civil espanhola em pano de fundo, Sena põe em pauta o Portugal salazarento e uma panóplia de interditos que vão da inscrição política à hipocrisia dos costumes. Tudo se passa no ambiente da burguesia bem instalada da Figueira da Foz, que fazia vista grossa à pesporrência do Estado Novo (actuação da Pide incluída) e a questões de natureza sexual. Alter-ego de Sena, o protagonista, Jorge, disseca com minúcia aquele peculiar microcosmo. O acento tónico incide no grau de ‘tolerância’ face à identidade sexual de alguns personagens, em particular Rufino e Rodrigues. É deveras eloquente o episódio do ménage à trois entre Jorge, Luís e uma prostituta: «a mulher não tinha tido importância, a mim é que ele, de uma maneira ou de outra, escolhera.» Destinado a ser o primeiro volume da saga romanesca Monte Cativo, projecto abortado por morte de Sena, Sinais de Fogo é uma obra-prima. Cinco estrelas. Publicou a Livros do Brasil.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

REI SOL


Obtendo 350 lugares, La République en Marche conseguiu a maioria absoluta na Assembleia Nacional francesa. É menos do que as projecções indicavam, mas não deixa de ser um resultado histórico. Macron torna-se uma espécie de rei Sol. Os Republicanos obtiveram 130. O Partido Socialista ficou em terceiro lugar, elegendo 33 deputados, uma derrota inquestionável, mas longe da temida pasokização. E em todo o caso com representação superior à France Insoumise, que mesmo em coligação com o PC não foi além de 27 lugares. Marine Le Pen conseguiu ser eleita, mas o Front National ficou apenas com 8 lugares. Tudo visto, é impossível ignorar o índice de abstenção, que chegou a 57,4%. Também vai ser curioso seguir o comportamento da Assembleia, onde 432 eleitos (num total de 577) são estreantes. Já agora, quatro deputados, um deles do Front National, são casados com pessoas do mesmo sexo, muito menos do que no Parlamento britânico, mas é um começo.

domingo, 18 de junho de 2017

MACRON ABSOLUTO


Com uma abstenção de 56,6%, a segunda volta das Legislativas francesas confirma a maioria absoluta do partido de Macron, La République en Marche. Ao alto, a projecção mais recente dos resultados finais. Clique para ler melhor.

A MALDIÇÃO


Estão confirmados, até ao momento, 57 mortos e 61 feridos vítimas do incêndio que deflagrou ontem ao meio-dia em Escalos Fundeiros, na região de Pedrógão Grande (Leiria). Trinta pessoas morreram carbonizadas dentro das próprias viaturas, a maioria quando tentavam fugir pela estrada que liga Castanheira de Pêra a Figueiró dos Vinhos. As aldeias de Mosteiro, Vila Facaia, Coelhal, Escalos Cimeiros, Regadas e Graça foram as mais afectadas. O número de vítimas pode subir porque continuam desaparecidas várias pessoas. Dois pelotões do exército vão juntar-se aos bombeiros na região. Clique na imagem. [Actualizado às 10:00]