quinta-feira, 2 de março de 2017

OCTAVIO PAZ


Hoje na Sábado escrevo sobre Vislumbres da Índia, do mexicano Octavio Paz (1914-1998). Não é novidade para ninguém que o autor é um dos mais notáveis poetas do século XX. Como ensaísta é menos conhecido entre nós, mas acaba de ser reeditado o último livro que publicou, Vislumbres da Índia, que está longe de ser um livro de viagens tout court. Trata-se de um ensaio sobre o país onde exerceu funções diplomáticas nos anos 1950, e de novo a partir de 1962, então já como embaixador. Apoiado numa experiência de muitos anos, Paz reflecte sobre a diversidade da Índia, nos mais variados temas: o denominador comum da língua inglesa, política, sistema de castas, arquitectura, cultura (artes plásticas, poesia, música, filosofia), gastronomia e religiões, em particular a hindu e a islâmica. É evidente que o livro inclui descrições do quotidiano de Bombaim e Deli, bem como referências a viagens ao Afeganistão e outros países, sem esquecer a guerra sino-indiana de 1962, mas o foco central tem índole diferente. Paz detém-se com minúcia no legado colonial britânico («A Índia moderna é inexplicável sem a influência da cultura inglesa…»), por oposição à colonização hispânica do México. Com admirável poder de síntese, traça um quadro nítido da evolução do país, desde os anos mais duros da ocupação, até aos massacres de 1947 (entre muçulmanos e hindus) que deram origem a meio milhão de mortos e à fractura em Paquistão e Índia. Seguindo um raciocínio claro, o autor introduz o leitor na teia das complexas relações de poder: secularismo do Estado, o exército como «defensor da ordem e da Constituição» (ao arrepio da tradição latino-americana de indutor de desordens civis), a máquina bem oleada do Civil Service, o papel determinante do Partido do Congresso, os perfis de Gandhi e Nehru, islão vs hinduísmo, hábitos e costumes, etc. Em suma, um verdadeiro companion do que foi a Índia até à primeira metade dos anos 1990. O desencontro de Gandhi e Rabindranath Tagore surge ilustrado pela prática da queima de roupa e outros produtos importados. Ao ideólogo do Satyagraha (não-violência), adversário de tudo o que fosse estrangeiro, Tagore opôs: «Prefiro dar essas roupas aos que andam nus.» Como este, outros episódios aparentemente prosaicos pontuam o livro. Cinco estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

COLAPSO ANUNCIADO

No primeiro capítulo do programa sobre o colapso do BES, que a SIC começou ontem a transmitir, fica estabelecido que o Banco de Portugal tinha em seu poder, desde 8 de Novembro de 2013, todas as informações que conduziram, oito meses mais tarde, ao afastamento (verificado em 13 de Julho de 2014) de Ricardo Salgado da presidência do BES. Três semanas depois, a 3 de Agosto, um domingo, ocorreu a cisão entre BES e Novo Banco. O que significa todas as informações...? Significa um minucioso dossier que põe em causa a idoneidade do presidente e mais três administradores do BES, ou seja, Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires, José Maria Ricciardi e Paulo José Lameiras Martins. Isto no dia 8 de Novembro de 2013. Mas Salgado só saiu oito meses depois. Entretanto, num comunicado difundido horas depois do programa, o BdP esclarece que «a informação existente à data [Novembro de 2013] tinha que ser devidamente verificada e confirmada.» Pronto. Levou oito meses a verificar. Pelo meio, mais exactamente em Maio de 2014, houve uma subscrição pública para aumento de capital. O Presidente da República e o primeiro-ministro vieram à televisão dizer que não havia nada mais sólido e sério do que o BES.

quarta-feira, 1 de março de 2017

BREXIT & IMIGRANTES

Por 358 votos contra 256, a Câmara dos Lordes aprovou um pedido de emenda à vontade da primeira-ministra britânica. Theresa May tem repetido que os três milhões de imigrantes da UE residentes no Reino Unido vão manter os direitos actuais (residência, autorização de trabalho, saúde, apoios sociais), mas isso não está escrito no diploma do Governo sobre o Brexit. E os lordes querem a garantia em letra de forma. A ver vamos como reage a Câmara dos Comuns, para onde o diploma voltou. Os tories não estão com vontade de mexer no texto original: Somos pessoas sérias! Dito de outro modo: a garantia está dada, não há que a pôr por escrito.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

ÓSCARES


Depois da trapalhada que foi a troca de envelopes no momento de anunciar o melhor filme do ano, gaffe que implicou subida ao palco da equipa errada, os principais vencedores foram:

Moonlight, melhor filme do ano
Damien Chazelle, melhor director, La La Land
Casey Affleck, melhor actor principal, Manchester by the Sea
Emma Stone, melhor actriz principal, La La Land
Mahershala Ali, melhor actor coadjuvante, Moonlight
Viola Davis, melhor actriz coadjuvante, Fences
Melhor argumento original, Manchester by the Sea
Melhor argumento adaptado, Moonlight
Melhor filme estrangeiro, The Salesman (Irão), de Asghar Farhadi
Melhor documentário, OJ: Made in America, de Ezra Edelman

La La Land, que não vi nem tenciono ver, recebeu seis dos catorze óscares para que estava nomeado. De Moonlight vi os primeiros doze minutos. É impossível estar numa sala (Corte Inglês) com gente a falar como se estivesse no bazar e telemóveis a apitar. Pode ser que um dia, em casa.

Na imagem, da esquerda para a direita, Mahershala Ali, Emma Stone, Viola Davis e Casey Affleck. Clique para ver melhor.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

CAIS DO SODRÉ 2017


O Cais do Sodré actual. E ainda há quem barafuste com as obras na cidade.
Clique na imagem para ver melhor.

DISCURSO DIRECTO, 44

José Pacheco Pereira, A afronta de nos tomarem por parvos, ontem no Público. Excertos, sublinhado meu:

«[...] O que sabemos sobre o dinheiro saído para os offshores durante a governação PSD-CDS? Sabemos que foi muito, muitos milhares de milhões de euros, de que os dez mil milhões de que se fala agora são apenas uma parte. Sabemos que uma parte saiu legalmente e também sabemos, por vários processos em curso, que outra parte saiu ilegalmente. [...] Desde Passos Coelho, furioso e malcriado na Assembleia, até ao passa-culpas do anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, até ao silêncio da ex-ministra das Finanças que acha que não é nada com ela, todos estão a tomar-nos por parvos. Afinal, a culpa foi dos serviços que não fizeram a estatística devida, ou dos procedimentos informáticos, que, pelos vistos, foram modernizados só para um dos lados do escalão de rendimentos, mas que parecem funcionar muito mal no topo dos rendimentos, porque, tanto quanto eu saiba, não foram os funcionários públicos, nem os reformados, nem os empregados do comércio, nem os operários, nem os enfermeiros, nem os polícias, que colocaram o dinheiro em offshores. Aliás, já não é a primeira vez que este tipo de implausibilidades acontecem nas finanças do Governo PSD-CDS, como foi o caso da “lista VIP”, já muito esquecido. Mas há pior: o secretário de Estado quer-nos convencer de algo muito mais grave: é de que não deu por ela que lhe faltavam os números do dinheiro que ia para os offshores. Das duas, uma: ou foi grossa negligência, ou preferiu olhar para o lado, visto que os números eram incómodos para o Governo. Mas, mesmo que seja assim, de novo a mera sensatez obriga-nos a considerar como absolutamente implausível que ele responsável pelo fisco, nunca se tenha perguntado, mesmo numa conversa casual: “Olhe lá, senhor director-geral, quanto dinheiro está a sair do país para os offshores?”. E Passos e a ministra também nunca sentiram sequer curiosidade sobre esse aspecto crucial da nossa economia, para verificarem que, afinal, não havia a estatística? Presumir que tenha sido assim é tomar-nos por parvos, insisto. E eu não gosto