sábado, 5 de novembro de 2016

SENA


A Guerra & Paz deu à estampa mais um volume da correspondência de Jorge de Sena, desta vez com Eugénio de Andrade. Mais de seiscentas páginas onde estão coligidas 146 cartas de Sena, 119 de Eugénio e 12 de Mécia de Sena, tudo escrito entre 1949 e 1978. Sob a designação de carta incluem-se postais. O volume foi organizado por Mécia e Isabel de Sena, mas as notas, extremamente rigorosas (sem elas perdia-se grande parte do contexto), são de Jorge Fazenda Lourenço. O índice remissivo permite aceder com facilidade a pessoas, obras e publicações avulsas. Depois dos volumes dedicados a Mécia, Eduardo Lourenço, Guilherme de Castilho, Vergílio Ferreira e José-Augusto França, editados pela Imprensa Nacional, bem como os dedicados a Carlo Vittorio Cattaneo e António Ramos Rosa, editados pela Guimarães, a Guerra & Paz tem vindo a divulgar a correspondência seniana: Sophia de Mello Breyner Andresen, Raul Leal, Delfim Santos, João Gaspar Simões e agora Eugénio. Como sempre, Sena fala de tudo (costumes, literatura, vida académica, política, gossip, viagens) sem poupar nos elogios a terceiros. Eugénio fala dele próprio.

GAP

O estudo da Aximage ontem divulgado no Jornal de Negócios e no Correio da Manhã apresenta os seguintes resultados:

PS — 38,3% / PSD — 28,7% / BE — 9% / CDU [PCP+PEV] — 7,3% / CDS — 6,4%. Dito de outro modo: maioria de Esquerda = 54,6% / PAF = 35,1%. Quase vinte pontos de diferença (19,5%) é um gap e tanto!

Nota curiosa, os indecisos são apenas 2,2%.

QUEM DIRIA HÁ UM ANO?

Há um ano era puro delírio, mas o facto é que foi ontem aprovado (na generalidade), com apoio do PS, BE, PCP e PEV, o segundo Orçamento de Estado elaborado pelo Governo de António Costa. Estamos a falar do OE 2017.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

BREXIT

Leio nas redes manifestações de júbilo com a decisão do Tribunal de Londres sobre a exigência de votação parlamentar para accionar o art.º 50. É muito estranho, porque grande parte dessas manifestações tem sido subscrita por mulheres, e não me lembro de as ter visto exigir que a Assembleia da República votasse o resultado do referendo ao aborto.

Eu não gosto de referendos, sejam eles sobre que tema forem. Mas, estando consagrados na Lei, o seu resultado tem de ser respeitado. O resultado foi claro: 52% dos votantes no referendo não querem continuar na UE. Portanto, quem quer torcer a realidade deve emigrar para a Coreia do Norte. Ou lutar pela abolição dos referendos.

Downing Street recorreu da decisão e mantém o fim de Março como a data em que dará início formal à saída.Theresa May falou ontem mesmo com Merkel e Juncker, a quem garantiu que Brexit means Brexit.

O que o Tribunal conseguiu foi uma dilação de prazos. Na prática, o Reino Unido já saiu. Em Janeiro não assumirá, como lhe competia, a presidência da UE. A alta-finança corrigiu a pontaria. Além de pequenas minudências que envolvem bolsas, financiamentos, projectos, etc., que têm estado a ser cancelados nos últimos meses.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

LE CARRÉ & ADÍLIA


Hoje na Sábado escrevo sobre O Túnel de Pombos, o livro de memórias de John le Carré (n. 1931), o tipo de obra que deixa toda a gente a salivar. A origem do título vem revelada no prefácio, servindo de parábola à vida e obra do autor, que foi diplomata e trabalhou durante vários anos nos serviços secretos britânicos. Ainda por lá andava quando publicou os primeiros quatro livros, entre eles o celebrado O Espião que Saiu do Frio (1963). Isso explica a necessidade do pseudónimo, forma de tornear a Lei dos Segredos Oficiais. O Túnel de Pombos consiste numa colecção de episódios que pontuam a vida do autor. Trinta capítulos são inéditos, os outros oito tiveram publicação prévia entre 1994 e 2014 na Inglaterra e nos Estados Unidos. A dificuldade reside na escolha, porque le Carré tem uma escrita de primeiríssima água e um sentido de humor vintage. A introdução sinaliza o modus operandi do livro: «Estas são histórias verdadeiras, contadas de memória […] A verdade real reside, se reside algures, não nos factos, mas nos matizes.» Fica tudo dito. No texto mais longo e duro do livro, le Carré expõe a complicada relação com o pai: «Demorei muito tempo a conseguir escrever sobre Ronnie, vigarista, fantasista, preso ocasional e meu pai.» Os restantes têm outro carácter. A partir de incidentes da vida diplomática, filmes realizados com base em livros seus, a Guerra Fria, a presença de ex-nazis de altas patentes no sistema judicial e na polícia da antiga RFA, o apoio de segmentos da classe média alemã ao grupo Baader-Meinhof, o momento em que Brodsky soube que tinha ganho o Nobel da Literatura de 1987, Alec Guinness doublé de Smiley, os preparativos para uma entrevista com Bernard Pivot, o chalé suíço, as idiossincrasias de Richard Burton, os encontros com Arafat, a coragem do repórter de guerra Jerry Westerby, o degelo de Gorbachev, o esquizofrénico encontro com um dos patrões da máfia russa na Moscovo de 1993 (o pós-Perestroika encontra-se dissecado em três romances seus), o cartão de crédito de Stephen Spender, etc., le Carré preenche quase quatrocentas páginas de leitura compulsiva e imprescindível. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.

Escrevo ainda sobre Bandolim, Adília Lopes (n. 1960). Após trinta livros de poesia, chegou o tempo de Adília escrever parte das suas memórias. Bandolim não é outra coisa senão um diário, ilustrado com uma dúzia de retratos. Não faz sentido metê-lo numa colecção de poesia. O livro dispensa a “nobilitação”. Todas as anotações aqui reunidas corroboram a persona de Adília. Histórias da infância e adolescência, ditos em família, apontamentos de Lisboa e em especial sobre a zona de Arroios, participações em festivais de poesia, episódios da vida escolar, Kristeva e a teoria das catástrofes, a gata Faruk, Amadeo no Beaubourg, intertextualidades, Érico Verissimo (onde tudo começou), recordações dos anos 1970, Barthes, tradições orais, farmácias, Joyce, a Bíblia, o texto do catálogo de uma exposição, psicanálise e darwinismo, o Liceu Pedro Nunes, os Abba & Wagner, Newton, trocadilhos, aforismos, dois ou três poemas, mas também citações de Camilo, Lispector, Campos, Dickinson, Craveirinha, Cernuda, D. Francisco Manuel de Melo e muitos outros. Servindo-se de uma ironia corrosiva, Adília elevou o Kitsch ao cânone: «Eu nunca saí da casa da infância. Ainda tenho os tesouros quase todos.» Num tom aparentemente desfocado, Bandolim diz mais que muitos cartapácios autobiográficos. Quatro estrelas. Publicou a Assírio & Alvim.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

DIA 8 VEREMOS


A sondagem mais recente, publicada hoje no New York Times.

Apesar das manobras de James B. Comey, o director do FBI que no passado 28 de Outubro quebrou a regra de, nos últimos 60 dias da campanha, não se pronunciar sobre qualquer candidato (e ele fez mais do que pronunciar-se), os americanos continuam a apostar em Hillary. Em abaixo-assinados de altos-funcionários do FBI, editoriais, artigos de opinião assinados por políticos e juízes, etc., Comey tem sido acusado de ter feito o que se julgava impossível desde os ominosos tempos de Hoover.

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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

CAPAZES DE TUDO

A carta que James B. Comey, director do FBI, enviou ao Congresso na passada sexta-feira, 28 de Outubro, revelando, numa prosa cheia de insinuações, ter descoberto novos emails de Hillary, dá a medida de como os ultra-conservadores tudo farão para impedir Hillary de vencer as eleições. A América profunda não tolera a ideia de ter uma mulher na Presidência.

O episódio ganha contornos obscenos na medida em que esses emails teriam sido descobertos no computador pessoal do congressista Anthony D. Weiner, ex-marido de Huma Abedin, a principal assessora de Hillary (vice-directora da campanha). Weiner está a ser investigado por alegadamente ter trocado selfies do seu pénis com uma adolescente. Tudo isto é caricato.

Em Julho, o FBI tinha encerrado o inquérito aos mails de Hillary, deixando claro que ela não difundiu material classificado através do seu computador privado. No momento em que Trump cai a pique, vem muito a propósito refocilar no lixo.

TERROR

Com 59,36% dos votos, o evangelista Crivella ganhou o Rio de Janeiro. Freixo obteve 40,64%. A abstenção foi de 27%. Terror absoluto.

domingo, 30 de outubro de 2016

O COLAPSO DO RIO

Marcelo Crivella deve ganhar hoje a segunda volta das eleições municipais do Rio de Janeiro. Já tinha ganho a 1.ª volta com 27,8% e prevê-se que hoje obtenha o dobro.

Em Portugal quase ninguém sabe quem é Crivella, 59 anos, cantor gospel, bispo evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus e defensor do criacionismo. Não caiu do céu, está na política activa desde 2002. Actualmente milita no PRB, de extrema-direita. Não vale a pena elencar tudo aquilo que Crivella abomina e se propõe proibir. Ao pé dele, Marine le Pen é uma mulher moderada.

O seu opositor é Marcelo Freixo, 49 anos, deputado estadual, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, tendo-se destacado na investigação ao tráfico de armas e à ligação de políticos a grupos paramilitares. Em 2014 foi o deputado mais votado do Brasil. No filme Tropa de Elite 2: o inimigo agora é outro (2010), de José Padilha, a figura do personagem Diogo Fraga é inspirada nele. Actualmente milita no PSOL, partido dissidente do PT.