sábado, 30 de abril de 2016

ESPIRITISMO


Ângela Silva no Expresso — «Ocasião para [Marcelo] reencontrar o seu velho amigo Malangatana

Sucede que Malangatana morreu há cinco anos, exactamente no dia 5 de Janeiro de 2011. E morreu em Matosinhos. Clique na imagem.

PAULO VARELA GOMES 1952-2016


Vítima de cancro, morreu hoje de manhã Paulo Varela Gomes, professor, historiador de arquitectura, escritor e antigo delegado em Goa da Fundação Oriente. É autor de romances e crónicas. As suas obras mais conhecidas, todas editadas pela Tinta da China, são O Verão de 2012 (2013), Hotel (2014), Ouro e Cinza (2014), Era uma vez em Goa (2015) e Passos Perdidos (2016). Foi militante do PCP e, mais tarde, um dos fundadores do movimento Política XXI que seria absorvido pelo BE.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

EM NOME DO RUÍDO?

Só hoje li com atenção aquilo que os media dizem ser o novo regulamento da Câmara de Lisboa (aprovado anteontem por unanimidade) que estabelece o horário de restaurantes, bares, discotecas, lojas de conveniência e outros estabelecimentos de venda ao público. A ver vamos o que decide a Assembleia Municipal, a quem cabe a última palavra.

Nos termos do referido regulamento, a cidade fica dividida em duas zonas: a Zona A, que é praticamente tudo; e a Zona B, que delimita a frente ribeirinha. Na Zona A, os horários serão fixados de acordo com o tipo de estabelecimento. Na Zona B (ou seja, Belém, Docas, Cais do Sodré, Parque das Nações e pouco mais), qualquer que seja a actividade, os horários serão livres.

Vamos então por partes. Na Zona A, ou residencial, os restaurantes podem funcionar entre as 06.00 da manhã e as 02:00 da madrugada, horário mais do que liberal. As discotecas poderão funcionar entre o meio-dia e as 04:00 da madrugada. Não frequento, mas dizem-me que fechar às 4 significa fechar precisamente à hora em que os happy few costumam aparecer. Não discuto. Se o problema é o ruído, as discotecas deviam ser obrigadas a ter insonorização eficiente.

O busílis são as lojas de conveniência. Ou são de ‘de conveniência’ ou não são. Pretender que encerrem às 22:00 é um contra-senso. Uma loja ‘de conveniência’ deve estar aberta das 8 da noite às 8 da manhã seguinte. As esplanadas também terão de fechar à meia-noite. Eu nem sabia da existência (em bairros residenciais) de esplanadas abertas até mais tarde. Há por aí uma Lisboa exótica que desconheço.

Em resumo, todo este alarido me parece uma patetice.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

AGUENTA, AGUENTA

Isabel dos Santos acaba de impedir que Fernando Ulrich, presidente executivo do BPI, seja reeleito para um novo mandato. Com os seus (dela) votos, não passou a alteração dos estatutos na parte que interdita a eleição de membros da Comissão Executiva com mais de 62 anos.

SALÁRIOS

A RTP, a SIC e a TVI divulgaram os seus relatórios referentes a 2015. Verifica-se que o salário médio mensal (catorze meses) dos seus trabalhadores, corresponde a 3.680 euros brutos (SIC), 3.220 (RTP) e 2.852 (TVI). Como todos sabemos, as médias mascaram a realidade. Muitos destes trabalhadores recebem menos do que a média, e alguns (entre outros, os pivôs) bastante mais. O que me surpreende é a quantidade de efectivos: 1.085 trabalhadores na SIC; 1648 na RTP e 1.088 na TVI.

EIMEAR McBRIDE


Hoje na Sábado escrevo sobre Uma Rapariga É Uma Coisa Inacabada, de Eimear McBride. Já ouviu falar dela? É provável que não. Eimear nasceu na Inglaterra, mas é uma escritora irlandesa, autora de um único livro, acabado de traduzir. Nascida em Liverpool em 1976, tinha 3 anos quando acompanhou os pais no seu regresso à Irlanda. Aos 17 foi para Londres estudar teatro e agora vive em Norwich. Não foi fácil publicar o livro, que andou nove anos em bolandas de editor em editor. Enfim, nenhum deles podia adivinhar que o sucesso se traduziria em cinco prémios, e que a crítica mais exigente falasse de génio. Até a New York Review of Books trouxe Beckett à colação. Eimear mete no livro os fantasmas irlandeses: religião, sexo, culpa e disfunção. Mais a exposição dos interditos (Catherine Millet mora aqui?) que faz de Uma Rapariga É Uma Coisa Inacabada o avesso do romance de formação. Do seu modelo clássico, quero dizer. A transgressão é de regra: «Oferecem-se e ficam desconcertados pelo meu não de dizer não. Dizer sim é o melhor dos poderes.» O comportamento da narradora é determinado pela doença (um tumor no cérebro) do irmão e pelos abusos do tio que a violentou. O “tu” para quem as falas remetem é esse irmão que transforma a Parte V numa catarse: «Até ele feliz de fodido me meter por mim acima.» A peculiaridade da sintaxe é uma marca forte do livro. Um exemplo entre dezenas: «Abro os joelhos disse anda lá. Quase se morreu de susto. […] Baixa as calças. Só para lhe tocar na pila tremente. […] Aqui a lida lida e puxo a saia e sacudo casca. Afasto-me mais calma agora do que que.» Tal como os heterodoxos nexos gramaticais, a repetição e/ou junção de palavras não constituem gralhas. São simplesmente a prosódia da autora, herdeira de Edna O’Brien e, por que não?, de Joyce. Não espanta que tudo isto seja resultado do imparável fluxo de consciência. A tradução é da responsabilidade de um poeta (Daniel Jonas), e faz sentido que seja assim. Este livro não é para amanuenses. Cinco estrelas.

Escrevo ainda sobre Vamos Comprar um Poeta, de Afonso Cruz (n. 1971), um dos autores mais cultos da sua geração, várias vezes premiado, autor de romances, contos, livros para a infância, etc. Cruz acaba de dar à estampa um livrinho de micro-contos aforísticos. Quem leu A Boneca de Kokoschka (2010), Jesus Cristo Bebia Cerveja (2012) ou Flores (2015), três obras de assinalável conseguimento, talvez se surpreenda com o tom menor destes textos paródicos, devedores de alguma tradição surrealista. Ironia e nonsense são de regra: «É sempre necessário serem um pouco subversivos ou a qualidade poética baixa demasiado e não gera lucro, ninguém compra, acabam preteridos a bailarinos ou hamsters.» Há aqui ecos remotos do José Sesinando [Palla e Carmo] de quem hoje quase ninguém se lembra, mas Afonso Cruz terá lido com proveito. Como também Ramón Gómez de la Serna, expressamente citado. Em mais de vinte títulos publicados, sobressai a recusa da naïveté que tem sido a imagem de marca dos mais promovidos dos seus pares geracionais. Não é pequeno mérito. É justamente esse patamar de exigência que Vamos Comprar um Poeta não corrobora. Três estrelas. Publicou a Caminho.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

O SEQUEIRA É NOSSO


Com uma doação de 35 mil euros, a Fundação da Casa de Bragança completou os 600 mil euros necessários para acrescentar ao acervo do Museu Nacional de Arte Antiga o quadro Adoração dos Magos (1828), de Domingos Sequeira. Foram seis meses de crowdfunding intenso, no qual participaram anónimos, figuras públicas e instituições (a Fundação Aga Khan contribuiu com um terço do total, ou seja, com 200 mil euros), tais como a Fundação Luso-Americana, a EDP, a Fundação Carmona e Costa, o ACP, a Galeria Jorge Welsh, a Sociedade Portuguesa de Autores, etc. Presumo que antes do Verão já se possa ver a tela exposta no MNAA.

E OS OUTROS?

O Sindicato dos Jornalistas quer que a direcção do Expresso revele o nome dos mais de cem jornalistas que fazem parte da lista de ‘alegados’ (alegados?) pagamentos realizados pelo Grupo Espírito Santo. E porquê só os avençados do GES? Os que mamavam noutras tetas não têm sombra de pecado?

terça-feira, 26 de abril de 2016

POR FIM


Marcelo Rebelo de Sousa vai condecorar Salgueiro Maia (1944-1992) com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. O Presidente da República tornou público esse propósito durante uma homenagem que prestou em Santarém ao antigo capitão de Abril. A condecoração será outorgada no próximo dia 1 de Julho, data em que se comemoram 72 anos sobre o nascimento de Salgueiro Maia.

TRÊS HISTÓRIAS

Ontem, até quase à meia-noite, não li jornais, não ouvi rádio e não estive perto de nenhuma televisão. Isto para dizer que não acompanhei as celebrações protocolares, oficiais e oficiosas, do dia. Mas depois do jantar vi em diferido um painel da TVI onde Judite de Sousa juntou duas resistentes comunistas com Fernando Medina, filho e neto de comunistas. As duas senhoras, Faustina Barradas (1944) e Mariana Morais de Oliveira (1949), falaram da sua experiência na clandestinidade, em particular sobre o drama dos pais que eram obrigados a separar-se dos filhos. Faustina sem conter a emoção, Mariana com travão ideológico. Faustina veio do Alentejo da fome, Mariana foi aos 17 anos estudar dialéctica para a União Soviética, e relatou com pormenor as peripécias do salto de fronteira. Medina, que no 25 de Abril tinha pouco mais de um ano de idade, nasceu longe do pai, algures na clandestinidade. Foi por um anúncio de jornal (uma senha) que teve conhecimento do nascimento do filho, que é hoje presidente da Câmara de Lisboa. Memórias muito diferentes, todas comoventes. Fica-se sempre com um nó na garganta. Há ocasiões em que nos reconciliamos com a televisão.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

O QUE TERIA SIDO?

Quem não viveu os anos do salazarismo não pode avaliar em toda a sua extensão o que era o Portugal mesquinho do Estado Novo. Não chega ter ouvido contar. Não chega ter lido o muito que entretanto se escreveu sobre essas décadas abomináveis. Realmente não chega. É preciso ter passado pela experiência da censura, da polícia política e da guerra. Foi terrível. Nasci em Lourenço Marques, onde vivi até aos 26 anos. Nunca pertenci a movimentos clandestinos, nunca militei em qualquer espécie de organização política. Nem sequer em democracia. A minha aversão ao Regime vinha por tradição familiar. Comprava livros proibidos, dizia mal do Botas, e era tudo. Melhor dito: pensava eu que era tudo. De facto, não era.

Em Abril de 1969, tinha então 19 anos, fui a Durban com duas amigas, uma delas filha de um conhecido e respeitado oposicionista entretanto falecido. A viagem foi monitorizada pela PIDE em sintonia com a BOSS sul-africana. Soube-o no regresso, quando minha Mãe, que durante a minha ausência fora chamada ao gabinete do director da PIDE, me perguntou o que tinha andado a fazer. A viagem mete pelo meio o escritor Alan Paton (activista dos direitos cívicos e fundador do Partido Liberal, que se opunha à política do desenvolvimento separado), mas isso agora não vem ao caso. Em Outubro desse ano, no dia das primeiras eleições do consulado de Caetano, uma festa heterodoxa — um ‘casamento’ fictício —, organizada por mim e pelas amigas da viagem a Durban, foi por momentos interrompida por dois agentes da polícia política que não perceberam porque carga de água 50 rapazes e 50 raparigas vestiam calças de sarja branca. A inspecção terá durado um quarto de hora. Até que, em Janeiro de 1971, foi aberto o ominoso processo 1/808/71, o qual conduziu à prisão dezenas de militares de todas as patentes, por práticas homossexuais. Sem acusação formada, eu próprio estive preso em Nampula durante 57 dias. (O processo foi arquivado em Dezembro de 1973.) Adiante. Em 2014 pude consultar, no Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra, o escabroso relatório da PIDE a meu respeito, documento ilustrado com uma dúzia de fotografias minhas, três das quais nunca tinha visto.

A partir daqui, está tudo dito. O que teria sido de nós sem o 25 de Abril?

domingo, 24 de abril de 2016

CANONIZO EU, CANONIZAS TU


A propósito do post de ontem sobre o cânone do DN, aproveito para lembrar a polémica gerada pela edição, em Outubro de 2002, da antologia Século de Ouro. Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX, organizada por Osvaldo Manuel Silvestre, professor da Universidade de Coimbra, e Pedro Serra, professor da Universidade de Salamanca.

Transcrevo do meu livro de memórias, com inclusão, entre parênteses rectos, de nomes e excertos de notas de fim de texto:

«Um colégio de 73 ensaístas e poetas escolheu 73 poemas. Poemas e não poetas. O resultado indexa esses 73 poemas a 47 poetas. A lista dos ausentes ilustra bem o que acima vai dito. Não foram seleccionados poemas de dezenas de autores em regra antologiáveis. [Entre outros, estão ausentes António Botto, José Gomes Ferreira, António Gedeão, Miguel Torga, Raul de Carvalho, Natália Correia, Manuel Alegre e Maria Teresa Horta.] Na Assembleia da República, dez deputados liderados por Almeida Santos e Helena Roseta apresentaram em plenário um manifesto contra a ‘discriminação’ que se abatera sobre Torga e mais nove. [Além de Torga, o manifesto dos deputados cita Afonso Duarte, Florbela Espanca, António Botto, Pedro Homem de Mello, António Gedeão, Adolfo Casais Monteiro, Manuel da Fonseca, Natália Correia e Manuel Alegre.] Nunca o Parlamento produziu um documento tão esotérico. Silvestre & Serra responderam aos deputados de forma liminar: ‘Façam política, que é para isso que vos pagamos.’ [cf Público, 2-3-2003] Sem surpresa, uma onda de mexericos varreu o Meio. Um desses boatos garantia que Eugénio de Andrade, representado com um poema, teria sido incluído in extremis. Ouvida pelo Diário de Notícias, Maria Teresa Horta, uma das ausentes, deixou no ar o rumor — ‘como ia acontecendo ao Eugénio de Andrade, que no final foi incluído’. [cf DN 28-1-2003] Colaborei na antologia e sei que não foi assim. Por essa ordem de ideias, Torga estaria lá.» — cf Um Rapaz a Arder, Quetzal, 2013.

Portanto, nada de novo. Século de Ouro colige 73 poemas de 47 poetas. Sena e Ruy Belo são os poetas com maior representação. Cada poema é acompanhado de um ensaio. Sou autor da close reading ao poema O Preto no branco, de Rui Knopfli. Uma minuciosa introdução de 53 páginas explica a filosofia e o modus operandi da antologia.