quinta-feira, 2 de junho de 2016

COLM TÓIBÍN


Hoje na Sábado escrevo sobre Nora Webster, o romance mais recente do irlandês Colm Tóibín (n. 1955). Professor dos dois lados do Atlântico, escrita criativa em Manchester, Humanidades em Nova Iorque, autor de vasta obra ensaística e dez romances, Tóibín escreve desta vez sobre as armadilhas da solidão. Provavelmente inspirado na vida da sua própria mãe, o plot tem a cadência das narrativas auto-referenciais. A escrita é lisa, isenta de ênfase, mas isso não é novidade para quem leu os livros anteriores. Não era fácil a vida na Irlanda dos anos 1960-70. Nora é uma viúva precoce, uma mulher de meia-idade com quatro filhos e seis libras por semana de pensão de viuvez. A morte do marido deixou-a suspensa no vazio. Agora, até a solicitude dos vizinhos se tornou um empecilho, no limite da intrusão. Quem tenha lido Brooklyn, depressa identifica a May Lacey que surge no primeiro capítulo. Mas Nora estava farta. Farta de ouvir dizer que «o tempo cura tudo», metia-se no carro, saía de Enniscorthy e ia chorar para perto do mar. Vira-se obrigada a vender a modesta casa de praia, mas fora feliz em Cush, e era para lá que fugia. Parecia-lhe sensato deixar os filhos longe da dor. Mais tarde tomará consciência do erro. Quando Maurice morreu não queria pensar em nada, nem sequer no sofrimento dos filhos. Menos ainda em política. O marido estivera ligado ao Fianna Fáil e uma das filhas acabará por seguir as pisadas do pai. Os interstícios da ficção são pontuados por factos e personagens reais (os motins de Derry, o escândalo que envolveu Charles Haughey, o ministro das Finanças acusado de traficar armas para o IRA, por exemplo), estratagema que torna a leitura muito aliciante. Como não podia deixar de ser numa história irlandesa, a querela religiosa, vexata quaestio entre todas, surge como parte da intriga. A partir do momento em que Nora vem à tona da depressão, voltando a cantar e dando novo rumo à sua vida, o romance ganha outro fôlego. Quatro estrelas.