quarta-feira, 25 de maio de 2016

CLARICE LISPECTOR


Hoje na Sábado escrevo sobre a integral dos contos de Clarice Lispector (1920-1977), que Benjamin Moser juntou num único volume. São oitenta e cinco. Os que tiveram publicação em volume, mais os avulsos repescados em jornais, revistas e outras publicações, um texto arquivado na Fundação Casa Rui Barbosa, bem como inéditos do espólio. Atentas as variantes ocorridas ao longo do tempo, Moser optou pelas edições originais. Portanto, depois da integral das crónicas, temos Todos os Contos. Clarice é a déracinée típica, a mulher que nasceu na Ucrânia, à época território russo, no seio de uma família judaica, mas foi ainda bebé para o Brasil (a família teve de fugir dos pogroms anti-semitas), onde o pai lhe mudou o nome: Haia virou Clarice. Nessa altura ainda não tinha a nacionalidade brasileira, que só obteve em Janeiro de 1943, já com o curso de Direito concluído, onze dias antes de casar com um diplomata e no mesmo ano em que publicou Perto do Coração Selvagem, o romance de estreia que provocou ondas de choque nos círculos literários mais exigentes. Tinha nascido uma lenda. No prólogo, Moser faz notar que a obra «é o registo da vida inteira de uma mulher, escrito ao longo da vida inteira de uma mulher […] o primeiro registo do género em qualquer país.» É uma afirmação temerária, mas Moser defende-a bem. O volume está dividido em oito partes. Primeiros contos colige os textos escritos até 1941. Laços de Família (1960), A Legião Estrangeira (1964), Felicidade Clandestina (1971), Onde estivestes de noite? (1974) A Via Crucis do Corpo (1974) e Visão do Esplendor (1975), reproduzem as colectâneas homónimas. A fechar, Últimos Contos. Em apêndice, um texto no qual Clarice explica a génese da sua escrita. Deste vasto corpus, quero destacar “Eu e Jimmy”, “A Fuga”, “Amor”, “Uma Galinha”, “Feliz Aniversário”, “O Jantar”, “Preciosidade”, “O Crime do Professor de Matemática”, “O Búfalo”, “Os Obedientes”, “A Criada” e “Melhor do que Arder”. Alguns são clássicos absolutos. Para quem nunca leu Clarice, parecem-me uma boa introdução à obra. Katherine Boo disse: «Senti-me fisicamente abalada pelo seu génio.» O primeiro embate é sempre assim. Cinco estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

Escrevo ainda sobre Tudo o que ficou por dizer, livro de estreia de Celeste NG, americana de origem chinesa, largamente elogiada por parte da crítica mais conspícua. As questões identitárias estão na ordem do dia e o livro põe em pauta os direitos das mulheres e problemas associados à integração de imigrantes asiáticos na sociedade americana. Detonador da intriga: a morte de Lydia, uma adolescente filha de pai chinês e mãe americana. Estamos em 1977, no coração do Ohio. A polícia encontra o corpo num lago. Acidente? Suicídio? A narrativa intercala passado e presente. Professor, o pai tem como prioridade “ser” americano. Dona de casa, a mãe projectou em Lydia as suas próprias aspirações. Os flashbacks compõem dois retratos: o da imigração chinesa nos primeiros anos do século XX, quando o avô de Lydia chegou à Califórnia; e a subalternização das mulheres como norma dos anos 1950. O desaparecimento de Lydia é um pretexto para Celeste NG, ela mesma filha de um casal de cientistas chineses imigrados, questionar os equívocos das relações familiares. Três estrelas e meia. Publicou a Asa.