sábado, 21 de novembro de 2015

ADOPTAR


Em Portugal, centenas de homossexuais e lésbicas são pais adoptivos. Não começou ontem. Conheço casos com mais de vinte anos. Estou a falar de lésbicas e homossexuais assumidos, solteiros, divorciados, ou vivendo em união de facto com pessoas do mesmo sexo. Adoptaram crianças, mas fizeram-no a título individual porque a Lei assim o exige. Nenhuma dessas pessoas finge ser heterossexual. Algumas são figuras públicas. Há gente da Cultura, dos negócios, da investigação científica, das profissões liberais, dos media, do funcionalismo público, de famílias com pedigree, do ensino, da política, da indústria, da magistratura, da moda, etc. Pelo meio até há católicos. A todos a Lei exigiu candidatura em nome próprio.

Os que de facto vivem com uma pessoa do mesmo sexo nunca esconderam a relação. Os técnicos do Estado que acompanham os processos nunca ignoraram nem fingiram ignorar a realidade. Na maioria dos casos, porque o/a adoptante se fez acompanhar do cônjuge. Noutros, porque as revistas cor-de-rosa largamente publicitaram os factos. Sirva de exemplo o actor Diogo Infante, casado com um homem, que não fez segredo do facto de ter adoptado (em 2011) uma criança. A entrevista que deu ao Expresso em Abril de 2012 é um modelo de clareza. As restrições legais visam exclusivamente os casais. Como se um casal fosse uma entidade demoníaca.

O primeiro passo para acabar com o nonsense foi dado ontem no Parlamento, onde uma maioria de 141 deputados do PS, BE, PCP, PEV, PAN, mas também um grupo de 19 deputados do PSD, aprovaram quatro projectos de Lei que vão agora baixar à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para serem vertidos num único diploma. A imagem ao alto, do Diário de Notícias, serve para ilustrar o óbvio: Portugal não descobriu a roda.

TRAPAÇA

Durante o Estado Novo era comum ouvir dizer que ele não sabia. Ele era Salazar. O que ele não saberia era dos excessos da PIDE. Podia lá ser, um homem temente a Deus avalizar tais desmandos. O mantra voltou: «Devolução zero apanha Passos de surpresa.» Nunca passaria pela sua cabeça que a prometida devolução da sobretaxa de IRS fosse uma trapaça. Num país normal, a descoberta levaria à sua imediata demissão. Felizmente, a Assembleia da República antecipou-se.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

PRESIDENCIAIS


Sondagem do Expresso divulgada há pouco. Clique na imagem.

DISCURSO DIRECTO, 27

Nuno Saraiva, editorial do Diário de Notícias. Excerto, sublinhados meus:

«A uma semana das eleições de 4 de outubro, a então maioria absoluta PSD-CDS gabava-se de competência fiscal e prometia o eldorado aos incautos contribuintes com a devolução, em 2016, de 35% da sobretaxa de IRS cobrada ao longo de 2015. [...] Agora, já com o governo derrubado no Parlamento, chocamos de frente com a realidade e percebemos que afinal nada do que foi cobrado extraordinariamente em 2015 será reembolsado no próximo ano. [...] O que Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque fizeram chama-se manipulação de dados fiscais com o objetivo único de criar uma falsa ilusão nos eleitores de que o dinheiro que adiantaram ao Estado por via da sobretaxa lhes seria devolvido, pelo menos em parte. O que se prova, mais uma vez, é que o Pedro Passos Coelho de 2015 é igual ao de 2011, isto é, uma coisa é o que se diz em campanha outra diferente é a que se faz depois de conquistados os votos. Isto sim, é fraude eleitoral. Isto sim, é deplorável e não pode passar sem a mais veemente censura

ADOPÇÃO GAY & IVG

Por 141 votos a favor, do PS, BE, PCP, PEV, PAN e dezanove deputados do PSD, foram aprovados os quatro projectos de Lei apresentados pelo PS, BE, PEV e PAN, sobre adopção plena, apadrinhamento civil e demais relações jurídicas familiares por casais do mesmo sexo. As abstenções variaram de diploma para diploma, mas a deputada Isabel Oneto, do PS, absteve-se sempre.

Por 124 votos a favor, do PS, BE, PCP, PEV, PAN e dois deputados do PSD, foram igualmente aprovados os quatro projectos de Lei apresentados pelo PS, BE, PCP e PEV, que revogam as alterações introduzidas na Legislatura anterior, pelo PSD e CDS, à Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (introdução de taxas moderadoras, obrigatoriedade de consulta com um psicólogo e um técnico de serviço social, intervenção de médicos objectores no processo). As abstenções variaram de diploma para diploma, mas a deputada Isabel Oneto, do PS, absteve-se sempre.

LAISSEZ-FAIRE

Bernard Cazeneuve, ministro francês do Interior, foi curto e grosso: A Bélgica simplesmente não está à altura de lidar com as células de extremistas islâmicos. A França talvez esteja, mas apenas quando lhe dá jeito. Em resposta a Cazeneuve, o primeiro-ministro belga, Charles Michel, fez aprovar ontem, e só ontem, um pacote de medidas que deviam estar em vigor desde o 11 de Setembro. O laissez-faire europeu (com excepção do Reino Unido) dos últimos catorze anos prova o descaso com que a Europa trata o problema do terrorismo. Lamenta-se Cazeneuve de que os seus parceiros da UE não o avisaram da presença de Abdelhamid Abaaoud em França. Julgo ter lido algures que a Turquia avisou. E a imprensa americana antecipou-se em 24 horas à tardia confirmação da morte de Abaaoud. Enfim, não vale a pena chover no molhado: os serviços secretos franceses têm razões que a razão (e, por vezes, até o Eliseu) desconhece.

TERROR


Bamako não tem o glamour de Paris, mas não podemos ignorar que há neste momento 170 pessoas reféns dos terroristas que hoje de manhã atacaram o Hotel Radisson Blu na capital do Mali, localizado no bairro onde reside a maioria dos diplomatas estrangeiros. Terrorismo é terrorismo, onde quer que seja.

Imagem do Guardian. Clique.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

HENNING MANKELL


Hoje na Sábado escrevo sobre Um Anjo Impuro, do sueco Henning Mankell (1948-2015), dramaturgo, romancista e autor de livros para crianças, célebre em todo o mundo como autor de thrillers, em especial os da série Kurt Wallander. Autor de uma obra muito vasta, com alguns títulos traduzidos em Portugal, Mankell dividia o seu tempo entre a Suécia e Moçambique, país onde se radicou na segunda metade dos anos 1970, para dirigir o Teatro Avenida, em Maputo. Não admira que Um Anjo Impuro, o romance mais recente, seja prefaciado por Mia Couto. Um Anjo Impuro não é um thriller. É uma história “de época”, com acção centrada em Lourenço Marques, actual Maputo, no início do século XX. É pena que Mankell não tenha perdido um pouco do seu tempo a informar-se sobre a toponímia da cidade. Não chamaria Rua do Bagamoio (designação surgida apenas em 1976) à rua que em 1904 se chamava, de facto, Delagoa Bay Wall Street, passando depois a Rua Araújo, epicentro da zona red light junto ao porto da cidade. Ficção e História são coisas diferentes, mas é o autor que faz questão de seguir a narrativa do que julga ter sido o quotidiano de Lourenço Marques no tempo da monarquia. É pena que ninguém com conhecimentos básicos tenha lido o livro antes de impresso: Mankell nunca poria Hanna a passear no «pequeno jardim botânico que se situava [...] junto à colina onde estava a ser erguida a nova catedral...», uma vez que esse passeio ocorre em 1904, e o jardim abriu em 1941. A catedral, inaugurada em 1944, nem sequer estava projectada. Para terminar o inventário de inexactidões: Lourenço Marques é o nome do primeiro explorador e comerciante branco a chegar (em 1544) a Delagoa Bay, não é o nome de nenhum general. O plot é linear. Tudo se passa em pouco mais de dezoito meses. Hanna Renström era uma adolescente quando partiu da Suécia como cozinheira de um navio que tinha Perth (na Austrália) como destino. Em Argel casou com Lars Lundmark, o imediato, mas Lars morreu em alto-mar. À chegada a Lourenço Marques, decide abandonar o navio. Após enviuvar do segundo marido, português e impotente, torna-se uma mulher rica, proprietária do bordel mais famoso da cidade. Na Quarta Parte, Hanna passa a ser Ana Branca. Um crime passional introduz a traço grosso a repressão colonial. O melhor do livro são as passagens dedicadas a Carlos, o chimpanzé. Mankell tinha material para um romance de fôlego, mas o resultado é frouxo. Duas estrelas. Editou a Presença.

ACTA EST FABULA


Logo ao fim da tarde (18:30), no Centro Nacional de Cultura, Marcelo Duarte Mathias apresenta o quinto e último volume das memórias de Eugénio Lisboa. Highlight: «Compare-se este altivo afastamento [...] com as gemideiras de Vergílio Ferreira e de Lobo Antunes, por nunca lhes chegar a vez do rebuçado sueco.»

ZERO


Em Agosto, a ministra das Finanças garantia ao país que a devolução da sobretaxa de IRS atingiria 36%. Poucos dias após as eleições, esse valor baixou para 9%. Neste momento está em zero por cento. Nada a devolver, portanto. O Parlamento chamou Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para dar explicações. É que o Governo está demitido, mas o Parlamento não.

As imagens são do Diário de Notícias. Clique.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O COZINHADO

Manifestando perplexidade com o comportamento da Direita («Todo esse espaço à direita do PS... preferiu agora demitir-se do que é e do que representa...»), Maria João Avillez escreveu no Observador:

«[...] o Presidente da República (felizmente) preferirá não sair da Constituição (e ainda bem, se me permitem). Sim, o cozinhado vai ser engolido. Mas por favor não procurem cozinheiros só no PS nem nos seus (artificiais) aliados do PC e do BE: houve imensos ajudantes de cozinha à direita. Alguns andavam de resto a treinar aos fogões há já alguns anos. [...]»

Isto só tem uma leitura: Cavaco acabará por dar posse a Costa. Vindo de onde vem — não concordamos com o que escreve, mas não devemos ignorar, porque Maria João Avillez é a mais autorizada fonte informal de Belém —, o recado é óbvio. Esperar para ver.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

ESTADO DE SÍTIO?

Cavaco Silva anda a brincar com o fogo enquanto se entretém a visitar adegas de vinho da Madeira e o Design Centre de Nini Andrade Silva. Ontem mandou recados: «Sei muito bem o que pode fazer um Governo de gestão. Como primeiro-ministro estive cinco meses nessa situação.» Refere-se Cavaco ao período entre 4 de Abril e 17 de Agosto de 1987, quando o seu primeiro Governo se manteve em gestão, após ter sido derrubado no Parlamento por uma moção de censura do PRD, apoiada pelo PS e o PCP. «Até fui a Pequim assinar um tratado internacional sobre a soberania de Macau.» No intervalo (em Julho) houve eleições, que o PSD venceu com maioria absoluta. Cavaco voltou a ser empossado, a tempo de preparar, com calma, o OE 1988. Importante: não havia zona Euro.

Além da sua experiência, cita o exemplo de Sócrates, que se manteve em gestão entre 23 de Março e 21 de Junho de 2011, após ter apresentado a sua demissão na noite em que o PEC IV foi chumbado pelo PSD, CDS, BE, PCP e PEV. Ao tomar posse, o primeiro Governo de Passos teve quatro meses para apresentar o OE 2012.

Agora a situação é diferente. Estamos no fim do ano e Bruxelas espera há dois meses pelo draft do OE 2016. A contra-informação atinge o paroxismo. Passos Coelho disse ontem: «Julgo que daqui a mais duas semanas a nossa situação será definitivamente clarificada. E haverá um novo Governo para negociar com Bruxelas.» O primeiro-ministro demitido falava com Herman Van Rompuy, que veio a Lisboa assistir a uma conferência. Isto enquanto assessores faziam passar para os media a ideia de que um governo de iniciativa presidencial (expediente que a revisão constitucional de 1982 obliterou) estaria iminente, porque, sublinham, «Cavaco nunca dará posse a Costa.» A ver vamos. Não esquecer que existe no Parlamento uma maioria de Esquerda. Ela não está lá por direito divino. Está lá porque os eleitores assim quiseram.

Mesmo que Cavaco fosse buscar um “Monti” indígena (os nomes mais falados são Guilherme d’Oliveira Martins, Rui Vilar e Artur Santos Silva), e mesmo que houvesse gente disposta a integrar um Governo dessa natureza, a solução seria rejeitada pelo Parlamento. Voltava tudo à estaca zero: um Governo impedido de elaborar o OE 2016, impedido de governar, alvo da tranquibérnia geral.

Ou estará Cavaco a preparar-se para decretar o Estado de Sítio?

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

DETALHES


Detalhes a ter em conta: tudo o que os jornais europeus têm para contar, para além do óbvio (o óbvio: houve tiros e explosões, morreram 132 pessoas, há 360 feridos), tem como fonte o New York Times. A maioria dos jornalistas europeus entretém-se com estados de alma e frioleiras: «Foi comprar a baguette ao sítio do costume?» E se, em vez de passearem por Paris, fossem até Molenbeek?

Molenbeek é uma comuna de Bruxelas de onde saíram os terroristas envolvidos nos ataques ao Charlie Hebdo, ao supermercado Kosher, ao Bataclan, aos restaurantes do X e XI arrondissements, e muitos outros que não chegam a lado nenhum porque a polícia os detém a tempo. Molenbeek concentra perto de cem mil pessoas muito pobres numa pequena área, um ghetto sem o glamour da Grand-Place. Afinal, a Bélgica é o país que mais voluntários fornece ao ISIS (cinco vezes mais do que o Reino Unido, o triplo da França). Já agora: o descarrilamento do TGV em Eckwersheim, localidade a Norte de Estrarburgo, poucas horas depois dos atentados de sexta-feira à noite, causando a morte de 10 passageiros, é uma notícia descartável só porque Bernard Cazeneuve desvalorizou o facto? Isto dito, tentar encontrar o fio à meada do trânsito das armas já é pedir muito.

A imagem é do Monde. Clique.

domingo, 15 de novembro de 2015

AMENDOINS


Nada disto preocupa o Presidente da República, que vai amanhã relaxar dois dias para a Madeira. Portanto, aos 3,9 mil milhões de euros que o Fundo de Resolução lá pôs em Agosto do ano passado, é preciso acrescentar depressa mais estes amendoins.

A imagem é do Jornal de Notícias. Clique.