sábado, 31 de outubro de 2015

COREOGRAFIA

O Governo tomou posse e de seguida reuniu em conselho de ministros. Do que se sabe, terá decidido não perder um minuto com a discussão do OE 2016. O famoso draft continuará por elaborar. Bruxelas que espere pelo senhor que se segue. A estratégia é clara. Só não percebo que, sendo assim, haja necessidade de esperar por 9 de Novembro para apresentar o programa à Assembleia da República. Por que não já na próxima semana?

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

EUROPA, 2015

Entretidos com o folhetim do Governo, temos passado ao lado da vaga migratória. Todos os dias morre gente no Mediterrâneo, nas costas grega e turca, nos Balcãs. Calais transformou-se num imenso bidonville. Todos os dias se erguem muros em países tidos como democracias. A cada hora que passa, a UE olha com maior indiferença o fascismo, já não larvar, mas explícito, de alguns Estados-membros. A intolerância grassa. Acabo de ver imagens terríveis de gente desesperada na fronteira da Eslovénia. É a guerra, na sua forma mais exacta.

XX GOVERNO

Passos & Portas, mais quinze ministros e trinta e seis secretários de Estado, tomaram hoje posse. A rejeição do Governo parece estar marcada para 10 de Novembro. Hoje, na Ajuda, o Presidente da República matizou o discurso: compete aos deputados decidir em consciência se o Governo vai iniciar funções (cito de cor). O primeiro-ministro foi igual a si mesmo, afirmando, sem se rir, que aumentou as pensões e combateu as desigualdades sociais. O líder da Oposição não esteve na cerimónia. Dos partidos com representação parlamentar, apenas dois, o PS e o PAN, se fizeram representar.

DISCURSO DIRECTO, 24

Guilherme W. d’Oliveira Martins, hoje no Público. Excertos, sublinhados meus:

«[...] Ao adoptar o modelo da prorrogação da vigência do Orçamento do ano anterior, o legislador nacional resolveu um problema que se arrastava há já vários anos, que dizia respeito à necessidade de decretos de execução orçamental para sustentar este regime.

A prorrogação do Orçamento não abrange, contudo: (1) as autorizações legislativas contidas no articulado que devam caducar no final do ano económico; (2) as autorizações para a cobrança das receitas, cujos regimes se destinam a vigorar até ao final do ano a que a lei respeita; (3) e as autorizações de despesa respeitante a serviços, programas e medidas plurianuais que devam extinguir-se até ao final do ano económico em causa.

As medidas que caem do lado da receita e do lado da despesa são todas as transitórias, a saber: a sobretaxa do IRS, a contribuição extraordinária de solidariedade, do lado da receita, e a redução remuneratória e o congelamento de pensões, do lado da despesa.

Podemos ter algumas dúvidas do como caem, mas há algo que as deita por terra no dia 31 de Dezembro — a sua transitoriedade, aliás, secundada e vigiada nos últimos anos pelo Tribunal Constitucional, que, tendo oportunidade, não deixaria espaço para novas dúvidas. [...]»

DISCURSO DIRECTO, 23

José Pacheco Pereira, na Sábado. Excerto, sublinhado meu:

«[...] Ao proceder como procedeu, Cavaco Silva mobilizou toda a direita para a exigência de que o primeiro acto do novo Presidente seja fazer eleições [...] O clamor será tal que Marcelo, que em condições normais não o faria [dissolver o Parlamento] sem haver uma grave crise de natureza institucional, pode ter que o fazer, mobilizando com esse acto toda uma frente de esquerda que se sentirá não só vitimizada, mas em risco de ser excluída do sistema político. Não vai ser bonito de ver, com responsabilidade directa de Cavaco que envenenou toda a campanha de Marcelo e condicionou os passos iniciais da sua presidência caso ganhe. [...]»

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

TO FUCK, OR NOT TO FUCK: THAT IS THE QUESTION


A propósito de uma entrevista dada por António Lobo Antunes ao jornal El País (ver imagem), Eugénio Lisboa escreveu para o J.L. o texto que a seguir se transcreve. Sublinhados meus:

“O ratio literacia / iliteracia é constante, mas, nos nossos dias, os iletrados sabem ler e escrever.”
Alberto Moravia

«Peço, desde já, que me perdoem o tom desenfastiado desta prosa, a começar pelo título: paráfrase libertina de um solilóquio célebre. Vou usar, como verão, vocábulos desataviados ou mesmo crus: o culpado disto tudo é o escritor António Lobo Antunes que, numa entrevista recente – das muitas que ele não gosta de dar mas vai dando – sugeriu o mote, ao afirmar o seguinte, referindo-se a Fernando Pessoa: “Eu me pergunto se um homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor.” Não é a primeira vez que o autor de Memória de Elefante nos serve este mimo. Provavelmente, ao tê-la, gostou tanto da ideia, que não se cansa de no-la servir, faça chuva ou faça sol. Reajo a ela, não tanto pela crueza vicentina do tom (e do glossário), como pelo facto de me não parecer cientificamente sustentável. E, neste ponto, faço apelo ao que, de ciência, ainda reste na cabeça do outrora psiquiatra Lobo Antunes.

Antunes propõe, em suma, que a falta de tesão de Pessoa não é compatível com o equipamento profissional de um bom escritor, ou, de maneira menos crua: a castidade não leva à criação poderosa. Ora bem: quando se põe, em ciência, uma hipótese de trabalho, esta só se mantém de pé, até ao preciso momento em que um novo facto conhecido a vem desmentir (ou falsificar, como diria Popper). Ora o que não faltam são factos que perturbam, abanam e fazem desmoronar a atrevida asserção de Lobo Antunes – os tais factos que Ronald Reagan apelidava de “estúpidos”, porque contrariavam as suas fantasias primárias.

Isaac Newton, incontestavelmente o maior cientista de todos os tempos, morreu virgem ou, se Lobo Antunes assim preferir, não consta que alguma vez tenha fodido – o que não o impediu de sondar, como ninguém, os enigmas do universo. Também não creio que um dos maiores artistas e inventor prodigioso de artefactos tecnológicos – Leonardo da Vinci – tenha fodido por aí além, se é que, propriamente, alguma vez fodeu. Estes dois exemplos, só por si, bastariam para foder irremediavelmente a hipótese científica do ex-aprendiz de psiquiatra doublé de ficcionista, que dá pelo nome de Lobo Antunes. É certo que nenhum destes personagens que citei é, exactamente, um escritor e Lobo Antunes referiu-se apenas à incapacidade de um casto escrever boa literatura. Vejamos, então, do lado dos escritores. Os exemplos – os tais factos “estúpidos” – não faltam. Henry James, por exemplo, não consta que alguma vez tenha ido para a cama, com menina ou menino. Walpole bem quis, um dia, seduzi-lo para o seu leito (desconfiado que andava de tanta reticência mais própria de solteirona ressequida), mas o autor de Portrait of a Lady recuou, horrorizado: he couldn’t possibly do that! Houve até uma mulher que se suicidou por ele a ter rejeitado ou não ter descodificado bem os passes que ela lhe andava a fazer, mas nada o levaria a fazer aquilo que Lobo Antunes considera fundamental para uma fecunda vida literária: foder, nem que seja só um bocado. James deixou uma obra monumental e Graham Greene só se lhe referia, chamando-lhe, com uma vénia, “the Master”, mas Lobo Antunes é de opinião que a obra do grande ficcionista americano ficou completamente fodida por o seu autor não ter fodido. Jane Austen, que conseguiu o milagre de agradar simultaneamente ao grande público, aos cineastas e aos “high-brows” universitários, também não fodeu. Viveu solteira e virgem e produziu, no meio da mais impertinente castidade, uma meia dúzia de obras-primas. Assim ajudando a foder consideravelmente a hipótese antunesina. John Ruskin, que tão bem escreveu sobre arte, merecendo até a glória de ser traduzido para francês por Marcel Proust – que Lobo Antunes tanto e com tal exclusividade admira! – também não chegou a foder, embora tenha tentado: na noite de núpcias, os pelos púbicos da noiva – coisa que, pelos vistos, nunca tinha contemplado – de tal forma o horrorizaram, que deixou a pobre rapariga intacta e nunca mais repetiu a tentativa. Fodido, não é? A poetisa americana Emily Dickinson ficou igualmente para tia, o que justifica, segundo Antunes, uma reavaliação da sua poesia, à luz de tanto não foder. Por outro lado, Edgar Poe, o da literatura policial – com o inesquecível Dupin, ínclito precursor de Sherlock Holmes – mas também o mago da literatura fantástica e de horror – que Baudelaire admiravelmente traduziu – e o poeta romântico que Pessoa verteu para português, Poe, dizia eu, cometeu o que Antunes classificaria como o mais hediondo dos crimes: casou com a priminha de 13 anos, Virginia Clemm, sem ter chegado, porém, a fodê-la. Nem a ela nem a nenhuma outra, que se saiba. O grande poeta Gerard Manley Hopkins, padre, ficou também casto (não sei se por ser padre, mas a verdade é que ficou), o que obrigará, em breve, a organizar-se todo um colóquio douto, para reavaliação da sua obra: quem esforçadamente não fode, escrever bem não pode, garante Antunes a quem o queira ouvir.

Também o emérito Yeats, um dos grandes da poesia do século XX, permaneceu casto até aos trintas e, durante este período de espartano “no fucking”, escreveu e publicou bastante poesia. E, já agora, para terminar, desconfio bem que o nosso ternurento António Nobre, precursor indiscutível da nossa poesia moderna e “a nossa maior poetisa”, segundo a perfídia mansa do grande Pascoaes, também não era particularmente dado às fornicações que Antunes considera fundamentais ao acto da escrita.

Por fim, ainda na referida entrevista, o autor de Os Cus de Judas dá a Virgílio o que é de Horácio, quando alude desastradamente às odes de Ricardo Reis: assim fode, sem apelo nem agravo, a erudição vigente. É caso de se dizer que, se quem não fode escrever não pode, não é menos certo que quem pouco manuseia o antigo não logra ver além do postigo.

Abrégé do texto acima, com tese (minha): quando se trata de escrever, tanto faz foder como não foder. O importante é ter que dizer e saber o modo de o fazer. Simples? Eu diria mesmo mais: fodidamente elementar, meu caro Watson!»

Clique na imagem para ler melhor.

HARPER LEE


Hoje na Sábado escrevo sobre Vai e Põe Uma Sentinela, de Harper Lee (n. 1926), durante quase sessenta anos tida como autora de um único livro, Não Matem a Cotovia, vencedor do Prémio Pulitzer de Ficção e, em 1999, eleito o melhor romance do século XX. Até que no ano passado apareceu o manuscrito, julgado perdido, de um livro mais antigo nunca publicado. Tendo sido o primeiro a ser escrito, Vai e Põe Uma Sentinela destinava-se a fechar uma trilogia por concluir. Nunca saberemos o que fez Lee ficar parada depois da consagração e do sucesso planetário de Não Matem a Cotovia, que Robert Mulligan levou ao cinema em 1962. Para sermos justos, Vai e Põe Uma Sentinela pouco acrescenta ao prestígio da autora. Aparentemente, a sua publicação terá sido uma “exigência” do agente literário. Jean Louise é agora uma mulher adulta, consciente das contradições da sociedade americana nos anos 1950. De visita a Maycomb (a cidade ficcionada que corresponde a Monroeville, no Alabama), vinda de Nova Iorque, vai confrontar-se com a realidade: a idade matiza os ideais, os ídolos da infância são vistos sem o filtro da inocência. É o caso do pai, o insubornável Atticus Finch. Lá onde a cor da pele determinava tudo, e estava mal, agora há quem continue a alimentar fantasmas. Quatro estrelas.

domingo, 25 de outubro de 2015

DISSE


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