sábado, 12 de setembro de 2015

DISCURSO DIRECTO, 13

Fernanda Câncio, no Diário de Notícias. Excertos, sublinhados meus:

«Há nos EUA uma expressão muito usada na política: pork. Este pork, ou seja, carne de porco, refere situações em que se desperdiça o dinheiro público para benefício de clientelas. Em Portugal não temos palavras assim, tão despachadas e carregadas de ironia, para designar ocorrências típicas da política. [...] Aliás, quando o País, na retórica atual do PSD, balançava indefeso à beira da bancarrota, os sociais-democratas não só obstaculizavam estas racionalizações de recursos como bradavam (ouve-se ainda o eco indignado) contra qualquer aumento de impostos ou baixa das deduções fiscais. Rasgavam as vestes ante a proposta de aumento do IVA em produtos alimentares tão essenciais e saudáveis como os refrigerantes e o leite com chocolate — os mesmos que nem um ano após anunciavam o aumento do da restauração para 23%.

E os autointitulados democratas cristãos, o que guinchavam, no fim de 2010, com o congelamento das pensões? Ainda zumbe nos ouvidos. Mas ei-los, no OE 2012, a aprovar, sem tugir, o esbulho de dois subsídios aos pensionistas [...] Que propostas fizeram, de 2005 a 2011, para combater o que apelidam de “criminoso despesismo do Estado”? Como votaram diplomas governamentais visando conter a despesa pública ou racionalizar recursos? Ah pois é. Portanto, de cada vez que um ministro, secretário de Estado ou deputado do PSD ou do PP se erga para mais uma catilinária contra o anterior governo pelo “estado a que isto chegou” na vã tentativa de nos distrair das enormidades do atual, gritemos todos, a plenos pulmões: “Leite com chocolate.” É mais elegante que aldrabões e tem a vantagem de avivar a memória

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

HUIS CLOS

Tornou-se intolerável acompanhar as notícias e ver as imagens que chegam das vagas de refugiados. A cobertura da imprensa europeia, em especial a de língua inglesa, obriga-nos a recuar a 1938. O que está a passar-se na Hungria (onde a partir da próxima terça-feira, dia 15, o controlo de fronteiras será da responsabilidade do exército, sob regime de Estado de Crise) tem de ser rapidamente travado. A Europa não pode tolerar que populações “internadas” em campos sejam alimentadas com comida atirada ao ar pela polícia, como sucede em Roszke, junto à fronteira com a Sérvia. Mas a Europa também não pode tolerar que a Dinamarca e a Áustria fechem autoestradas e suspendam ligações ferroviárias para impedir que alguns milhares de refugiados cheguem, respectivamente, à Suécia e à Alemanha. A situação dos refugiados que todos os dias chegam à ilha de Lesbos, na Grécia, faz de Lampedusa, na Itália, um resort. E Calais desapareceu dos noticiários porquê? Tudo isto é muito, muito inquietante.

VALEU A PENA?



Um milhão de desempregados depois, com a classe média obrigada a viver pelos padrões da pequena-burguesia urbana dos anos 1950 e uma vaga migratória idêntica à dos anos 1960. Valeu a pena? Os gráficos são do Público. Clique nas imagens.

ANIMAL FEROZ, TAKE DOIS

Leio por aí que António Costa terá sido agressivo, ao melhor estilo socrático, com o jornalista Vítor Gonçalves que o entrevistou ontem na RTP. Para ser franco, penso exactamente o contrário. Intimidar o jornalista? Mal andaremos quando um jornalista se deixar intimidar. Sejamos claros: Costa teve uma paciência à prova de bala. Admito que o jornalista não tenha gostado do contraditório, mas são ossos do ofício. Costa foi claro: «Está aqui como porta-voz do dr. Pedro Passos Coelho. Eu sei que está aqui a replicar o que diz a coligação...» Se não era, parecia. Vejamos: a precariedade dos vínculos laborais, os apertos de tesouraria e a aliança negra (não explícita, mas tácita) estabelecida nas redacções, dominadas por elementos da Direita e da extrema-esquerda radical chic, elegeu como prioridade impedir a vitória do PS e abater Costa. Tão simples como isto.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

PEARL S. BUCK


Hoje na Sábado escrevo sobre Onde Mora a Felicidade, da sinóloga americana Pearl S. Buck (1892-1973), Prémio Nobel da Literatura em 1938. Em boa hora reeditado, o romance tem como epicentro a vida na China, país onde a autora viveu durante quarenta anos. O recrudescer da Guerra Civil Chinesa fez com que regressasse aos Estados Unidos em 1935, sendo impedida de voltar mais tarde porque o regime de Mao Tsé-Tung nunca permitiu o regresso. Aos olhos de Pequim, Pearl S. Buck era uma “agente do Imperialismo americano”. Adaptado ao cinema como tantos dos seus livros, Onde Mora a Felicidade conta a história de uma mulher que desiste de fazer sexo com o marido. Invertendo os termos de uma proposição célebre de Simone de Beauvoir, Madame Wu concedeu a si própria, desse modo, a liberdade. A decisão é tomada no dia do seu quadragésimo aniversário, pondo termo a vinte e quatro anos de “deveres” conjugais. A partir daquele momento, orquestrará a seu bel-prazer o quotidiano e a casa (um núcleo de sessenta pessoas, entre familiares e servos), libertando de obrigações o homem que ao acordar na manhã seguinte ao casamento lhe dissera: «Se fosses feia... tinha-te matado a noite passada em cima da almofada. Odeio mulheres feias.» Agora chegou o momento de pensar nela, e apenas nela, sem descurar o principal: escolher uma concubina adequada para o marido, uma rapariga jovem, «macia como uma criança, afectivamente preparada para amar quem quer que seja e não apenas um homem...» Os trâmites do negócio são descritos com a secura de regra. Contudo, para surpresa sua, o Senhor Wu fará valer as suas idiossincrasias de parte interessada. Nenhum paternalismo macula a prosa de Pearl S. Buck. Pelo contrário. Foi mesmo a ausência de qualquer resquício colonial que singularizou a obra. Logo em 1931, Terra Abençoada, vencedor do Prémio Pulitzer de ficção, deu notícia de uma autora que falava da China com mais desenvoltura do que falaria da Virgínia Ocidental, onde nasceu. Não era comum. Sem dar por isso, o leitor mergulha nos hábitos e costumes de uma cultura milenar que para todos os efeitos nos é “estranha”. Sirva de exemplo a instituição que representa o casamento, «um dever não para com o amor nem para connosco, mas para com o nosso lugar nas gerações.» Um livro datado? E daí? Três estrelas e meia.

Escrevo ainda sobre Esta Distante Proximidade, colectânea de ensaios declaradamente autobiográficos da ensaísta americana Rebecca Solnit (n. 1961), até aqui inédita no nosso país. Activista política na área do ambiente e dos direitos humanos, voz audível contra as intervenções americanas no Médio Oriente, Rebecca Solnit sabe que é a partir do Eu que chegamos ao Outro. As duas primeiras frases dão o tom: «Qual é a nossa história? Tudo está no contar.» O leitor não deve deixar-se intimidar com a descrição do hipocampo (essa «pequena circunvolução na zona central do cérebro») ou aquilo que distingue os neocórtices animais dos humanos. O desabafo da autora é o de alguém que chegou à idade em que a degenerescência da mãe lhe caiu em cima. A doença e meia tonelada de damascos. São eles (os frutos) que servem de cimento aos treze textos do livro. Num ápice, estamos numa close reading de Mary Shelley ou no facto de Che Guevara usar dois Rolex. Nenhuma ligeireza de escrita. Pelo contrário. Convinha traduzir outras obras de Rebecca Solnit.  Quatro estrelas. Publicou a Quetzal.

O QUE EU VI


Cada um vê o que quer. Eu vi o primeiro-ministro acabrunhado e o líder da Oposição em boa forma. Costa conseguiu meter buchas eficazes. Face à insistência de Passos em trazer Sócrates à colação, o que fez uma dúzia de vezes, sugeriu: «O engenheiro José Sócrates está agora em melhores condições para debater consigo. Porque é que não vai lá a casa debater com ele?» Touché. A propósito de emigração, lembrou que tinha sido o Governo a propor a diáspora. Sobre a criação de emprego, ao desmontar o Programa Vem (segundo o qual o Governo se propõe, a partir de 2016, apoiar o regresso de vinte — sim, vinte — jovens altamente qualificados, não sabendo nós se a qualificação é de berço ou da Ivy League), Costa introduziu no debate uma inesperada simetria: Governo vs Parque Mayer. Ainda em matéria de emprego, atenta a sangria de enfermeiros, Costa deu ênfase ao contributo do Governo para a criação de postos de trabalho no Reino Unido. Por último mas não em último, a forma clara como demonstrou que o Governo faz gala em ter ido além da Troika: as gabarolices de Catroga, bem como os cortes em pensões, salários e prestações sociais. Tudo visto, temos a medida da assertividade do secretário-geral do Partido Socialista.

DISCURSO DIRECTO, 12

Ferreira Fernandes, no Diário de Notícias. Excertos, sublinhados meus:

«Ontem aconteceu uma derrota para o jornalismo. E não tem que ver com os três que a RTP, a SIC e a TVI enviaram. Tem que ver com uma intromissão indevida. Mas que raio estavam lá a fazer os jornalistas? Aqueles ou outros? [...] Com uma agravante: os três de ontem, porque importunavam, não deixaram que se visse, como completamente devia ter sido visto, a coça que Passos Coelho levou. Primeiro, de si próprio, porque medíocre. Segundo, de si próprio, porque sonso (inventando um adversário que não o que tinha à frente). E, terceiro, de si próprio, porque manifestamente inferior a António Costa

DISCURSO DIRECTO, 11

Pedro Santos Guerreiro, no Expresso Diário. Excertos, sublinhados meus:

«Um debate televisivo pode não servir para nada. Dificilmente vira o sentido de uma eleição. Facilmente é uma batalha retórica e cismada no passado. O debate de hoje podia não ter servido para nada. Mas serviu. Serviu para mostrar que António Costa não está derrotado. E que Passos Coelho não está vitorioso. Sim, António Costa ganhou este debate. E isso é relevante: ainda não tinha ganho nada. Esta noite, aquilo que não ia servir para nada serviu para alguma coisa. [...] Onde António Costa teve sucesso foi no ataque à dose excessiva de austeridade, na derrapagem da dívida, até no velho recurso aos gráficos em papel, na assunção de uma imagem de líder que falhara até aqui. Mas sobretudo: António Costa aproveitou um velho truque: as expectativas sobre ele eram tão baixas, uma vez que a sua campanha tem sido tão fraca, que o que disse (e como disse) surpreendeu. Inesperadamente, Passos Coelho não soube responder. Também inesperadamente, Costa foi convincente. Mesmo quando se tornou impaciente. Ou sobretudo quando perdeu a paciência. [...]»

DISCURSO DIRECTO, 10

Francisco Louçã, no Público. Excertos, sublinhado meu:

«Este debate era desigual. Até hoje, Costa apresentou propostas mas enredou-se em hesitações inesperadas. Passos Coelho escondeu as propostas como esperado. Costa tem sido mais credível mas Passos ganha com o silêncio. [...] Por isso, este debate era tão importante para ambos. Costa precisava de se mostrar e Passos de se esconder. E Costa ganhou porque conseguiu o que queria: empurrou Passos para o elogio do empobrecimento e para a imagem de auto-satisfação que faz relembrar os seus fantasmas, a insensibilidade social e a mentira. Passos, além disso, cometeu o erro fatal de quem está sentado no poder: achar que descaramento paga dívidas. Trazer Sócrates é uma mania e manias não convencem. Ficou portanto um vazio na direita. Era aliás ingenuidade do PàF pensar que poderia repetir 2011. Só que passaram 4 anos e o silêncio sobre as soluções para Portugal é um alvo fácil. [...]»

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

EMPATE

Ainda a sondagem de vão de escada hoje divulgada pelo CM e o Negócios. Pedro Magalhães, que durante muitos anos dirigiu o CESOP da Universidade Católica (isto para sublinhar que não é um comentador de aluguer, mas alguém que sabe do que fala), sublinha no seu blogue:

«Na Aximage, apesar de ser uma vantagem de quase 6 pontos para a coligação PSD/CDS, a amostra tem 602 [mas] 36% aparentemente abstêm-se, a estimativa baseia-se portanto em 384 pessoas, pelo que consigo retirar daqui. Logo a margem de erro da diferença entre as proporções .389 e .333 é de .085 e a diferença (.056) está dentro dela. Em suma, na Aximage também temos um “empate técnico”, embora não pareça, bem sei

Isto a propósito da sondagem hoje publicada que apresenta os seguintes resultados: PAF [PSD+CDS] 38,9% — PS 33,3% — CDU [PCP+PEV] 8,5% — BE 4,6% — LIVRE 1,9% — PDR 1,8%. Sendo os indecisos 2,9% e os presuntivos abstencionistas 36,2%.

CONVINHA REEDITAR, 6


Repito o que escrevi um dia: a obra de Luiza Neto Jorge (1939-1989) tem a exactidão de um relâmpago. A sua obra poética completa foi publicada em 1993 e, salvo uma antologia de 1997, não me recordo que tenha voltado aos prelos. Em 2006 a revista Relâmpago dedicou-lhe o seu n.º 18, mas hoje quase ninguém fala de Luiza, que morreu aos 49 anos, viveu emigrada em Paris (1962-1970), traduziu Sade, Verlaine, Yourcenar, Genet, Brantôme, Gombrowicz, Bataille, Nerval, Claudel, Artaud, Ionesco, Stendhal, Diderot, Éluard, Goethe e muitos outros, escreveu argumentos e diálogos para cinema, tudo à margem das paróquias catedráticas. Luiza não patrocinou salões literários nem frequentou as capelas Bon Chic, Bon Genre. Em vez disso, deixou uma obra parcimoniosa e um punhado de dispersos, que Fernando Cabral Martins organizou com método. Pela tradução de Morte a Crédito, de Céline, recebeu o prémio do PEN Clube. Se um dia alguém se lembrar de seleccionar os melhores poemas da língua portuguesa, O Poema Ensina a Cair figurará na primeira meia dúzia.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

BORGEN SEM RODEIOS

O ministério dos Negócios Estrangeiros dinamarquês publicou anúncios de página inteira em vários jornais (árabes e outros), declarando que a Dinamarca reduziu drasticamente as suas prestações sociais, razão pela qual não aceita refugiados ou migrantes. Recorde-se que ainda ontem foi encerrado o troço de autoestrada que liga Copenhaga ao porto de Rodby, impedindo cerca de trezentos refugiados de apanharem o ferry para a Suécia.

APESAR DOS APESARES


Para que conste. A manchete é do Público. Clique.

domingo, 6 de setembro de 2015

LEI DA ROLHA


Mas por que carga de água deverá Sócrates permanecer calado? Para fazer vénia a Wittgenstein, como sugere o articulista? A imagem é do Público.