sábado, 15 de agosto de 2015

AGOSTO

Não me recordo de um Agosto tão deprimente como o actual. A falta de pudor dos media e, em especial, da televisão, recupera tempos ominosos. Vivemos praticamente como há 50 anos. Em Agosto de 1965 eu tinha 16 anos e vivia em Lourenço Marques. Tinha estado em Portugal uma única vez, de férias, entre Julho de 1964 e Fevereiro de 1965. Não gostei do que vi. É verdade que os jornais de LM não podiam dizer mal de Salazar, permitindo-se censurar intervenções de Adriano Moreira, que fora ministro do Ultramar (1961-63) e responsável pela abolição do Estatuto do Indigenato. Mas ninguém tinha ilusões. Os campos estavam bem definidos: éramos nós e eles. Agora vivemos numa sopa da pedra. O povo que enche os festivais da sardinha e os Woodstocks domésticos só não tem é um Pessa à sua altura.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

HÉLIA CORREIA


Hoje na Sábado escrevo sobre O Separar das Águas e Outras Novelas, de Hélia Correia (n. 1949), que junta neste volume o livro de estreia — o que dá o título ao conjunto — com Villa Celeste e Soma, três novelas de 1981, 1985 e 1987, respectivamente. Era bom que o Prémio Camões, que este ano lhe foi atribuído, contribuísse para chamar a atenção para a obra de uma autora avessa a holofotes e uma das grandes vozes da literatura portuguesa contemporânea. Os que descobriram Hélia Correia há poucos anos, fosse num romance como Adoecer, ou nos poemas magníficos de A Terceira Miséria, queixando-se da dificuldade em encontrar os livros mais antigos, podem agora começar do princípio. Quando pela primeira vez se publicou, O Separar das Águas trouxe consigo uma voz singular, devedora de algum realismo fantástico, porém isento de mimetismo. A obra futura deu outra tonalidade à dimensão profética, mas, por enquanto, toda a ênfase fará de Vilerma um retrato do estupor do país que vivia entalado entre o estertor da República, as aparições de Fátima e o triunfo dos bolcheviques. Uma escrita rica de harmónicas acentua a polifonia do discurso narrativo, qualquer que seja a realidade ficcionada (e neste caso são três, sem correlação entre si) pela trilogia. Exemplar. Quatro estrelas e meia.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

CONVINHA REEDITAR, 2


Tinha 17 anos quando pela primeira vez li A Bastarda, de Violette Leduc (1907-1972). É daqueles livros — o exemplo extremo será Guerra e Paz, de Tolstoi — que temos de voltar a ler depois dos 40. Romance autobiográfico avesso a todas as categorias morais, A Bastarda «mostra com excepcional clareza que uma vida é a conquista de um destino por uma liberdade assumida.» São palavras de Simone de Beauvoir no prefácio da obra. Leduc conquistou esse destino. Oriunda das classes trabalhadoras, filha ilegítima, lésbica assumida, estranha ao beau monde, torna-se amiga de Maurice Sachs, por intermédio de quem conhece Beauvoir, Sartre, Camus, Cocteau, Genet, Sarraute, Jouhandeau e outros. Constrói uma obra parcimoniosa: entre 1946 e 1971 publica dez livros, sendo A Bastarda o mais importante. A tradução da romancista Natália Nunes que vemos na imagem foi publicada em 1966 (a capa só podia ser de João da Câmara Leme). Sejamos claros: esta obra-prima tem de voltar às livrarias.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

MEMÓRIA CURTA

As pessoas têm memória curta. Em Julho de 1985, Soares surpreendeu o país ao anunciar a sua candidatura a Presidente da República. Meses depois, com o apoio de Eanes e do PRD, Zenha entrou na corrida. Ângelo Veloso, candidato do PCP, desistiu a favor de Zenha antes da 1.ª volta. E havia também Maria de Lourdes Pintasilgo. Dito de outro modo, quatro candidatos de Esquerda, sendo dois da cúpula do PS. Na 1.ª volta, os resultados foram respectivamente de 25,4% / 20,8% / e 7,3% [Soares-Zenha-Pintasilgo]. Na 2.ª volta, Soares venceu Freitas do Amaral. O pior que nos podia acontecer agora era eleger um Messias. Contudo, a contradição está instalada. As pessoas que aplaudem as «nano-seitas» (como lhes chama o Rui Zink) travestidas em partidos políticos são as mesmas que arrancam os cabelos de cada vez que aparece ou ameaça aparecer alguém disposto a concorrer às Presidenciais de 2016. Não há necessidade.