sábado, 27 de junho de 2015

HORA DA VERDADE

Numa comunicação ao país feita ontem por volta das onze da noite, em Atenas, Tsipras anunciou a realização de um referendo no próximo dia 5 de Julho. O eleitorado terá de dizer se aceita, ou não, as condições impostas pela troika. O Syriza irá bater-se pelo NÃO, o que significa estar preparado para romper com a moeda única. Horas antes do statement, o primeiro-ministro grego havia rejeitado as exigências dos credores e um pacote de “auxílio” proposto pelas instituições: dezasseis mil milhões de euros para pagar dívidas e extensão do programa de ajuda até Novembro. Não, disse ele. O povo fará o desempate. Seja qual for o resultado, a situação deixa o Governo grego numa situação complicada. Se o NÃO ganhar, Tsipras terá legitimidade para regressar à dracma, com tudo o que isso implica. Se a vitória for do SIM (e há quem diga que essa possibilidade é quase certa), o Syriza terá de fazer uma de duas coisas: ou abandona o Governo, provocando novas eleições; ou aplica o pacote dos “chantagistas”. A ver vamos.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

DIREITO CONSTITUCIONAL

 
Acabaram as dúvidas. O Supremo Tribunal americano decretou que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um direito constitucional em todo o país. Acabaram as discrepâncias entre Estados. Até ao momento, o casamento gay era legal apenas em 38 Estados e em algumas cidades de outros cinco Estados, bem como em 24 tribos índias. Até que enfim. A imagem é do New York Times.

FOLHETIM

Muita gente já esqueceu, e muita outra não valorizou o golpe, mas foi Merkel, com a aquiescência dos parceiros, que em Novembro de 2011 impôs uma mudança de Governo em Itália, tirando Berlusconi, três vezes eleito, e pondo no seu lugar Mario Monti, um homem que nunca tinha ido a votos, e teve de ser feito (num domingo) senador vitalício para ocupar o lugar de primeiro-ministro. Isto aconteceu na Itália, que não é exactamente a República das Maldivas. Foi logo a seguir (cinco dias de intervalo) ao golpe grego, quando Papandreu se viu substituído por Lucas Papademos, que vinha do BCE e também nunca tinha ido a votos. Papandreu tinha cometido a heresia de dizer em voz alta que ia propor um referendo sobre a permanência da Grécia no euro. Em 48 horas estava na rua. No Outono de 2011 andava toda a gente distraída, e não devia, porque foram dois golpes de Estado decididos em Berlim, com a cumplicidade de Sarkozy e o beneplácito da tropa fandanga a que chamamos líderes europeus. A opinião pública internacional assobiou para o lado.

O actual folhetim grego é um remake foleiro. É deprimente ouvir os comentadores a esgrimir números sobre a Grécia, sabendo-se que os números gregos, sensatos ou delirantes, não importa, são a última preocupação de Merkel, Juncker, Dijsselbloem, Lagarde, Draghi, Tusk e parceiros menores. Nenhum deles quer saber de números para nada. Tsipras podia fazer espargata em plena Cimeira e o mais que conseguia era pôr Schäuble a bocejar. A UE não aceita um Governo do Syriza e o overacting de Varoufakis desobrigou toda a gente de boas maneiras.

Nisto tudo, espanta-me a passividade de Tsipras e o papel decorativo de Prokópis Pavlópoulos, o Presidente da República, renitentes a confrontar o eleitorado com uma escolha clara.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

BILL BRYSON


Hoje na Sábado escrevo sobre Aquele Verão, de Bill Bryson (n. 1951), um americano que trocou de país. Nascido no Iowa, atravessou o Atlântico em 1973, empregou-se num hospital psiquiátrico do Surrey, casou com uma colega e os filhos nasceram na Inglaterra, onde o autor continua a viver. Em 1995 houve um intervalo americano, durante o qual escreveu para uma revista inglesa os artigos que em 1999 foram coligidos em Notas sobre um País Grande, exemplo do desdém que nutre pelo modo de vida americano.

O livro agora traduzido reporta ao ano de 1927. Com a truculência habitual, Bryson explora o frenesi dos anos 1920 a partir de acontecimentos concretos, como, por exemplo, o aparecimento de três revistas míticas: a Reader’s Digest em 1922, a Time no ano seguinte, e a New Yorker em 1925. Foi, diz o autor, «a época em que se registaram os mais elevados índices de leitura na vida americana.» Como de regra, os seus livros oscilam entre a crónica historicista e o ensaio de índole sociológica: muita informação (uma vertigem enciclopédica), notas de humor nem sempre óbvias, conclusões heterodoxas pontuadas pela sobranceria que alguma intelligentsia europeia reserva para “a América”. O excesso de informação cruzada desvia a narrativa para temas laterais, por vezes sem grande interesse.

A paciência do leitor é posta à prova no Prólogo, um longo texto que inventaria uma série de desaires que precederam a façanha de Charles Lindbergh, o homem que em Maio de 1927 terá feito o primeiro vôo solitário e sem escalas entre Nova Iorque e Paris. Com epicentro no glamoroso Lindbergh, Aquele Verão não ignora as idiossincrasias da era do jazz, o assassinato de Albert Snyder, o processo dos anarquistas Sacco & Vanzetti e, entre derivações mais prosaicas, as grandes cheias do Mississipi que deram origem a uma migração maciça da população negra do Sul para o Norte dos Estados Unidos. O capítulo 28 trata a Literatura de forma light. É bizarro ver Bryson comparar o sucesso comercial de Zane Grey, um dos «autores mais populares do planeta no século XX», com o de F. Scott Fitzgerald, um autor canónico. Seria o mesmo que comparar as vendas de José Rodrigues dos Santos com as de Maria Gabriela Llansol. Um exercício fútil.

O volume inclui catorze páginas de fontes bibliográficas, índice remissivo e, a partir da página 490, verbetes biográficos das principais personagens citadas. Três estrelas.

QUARENTA ANOS


Passam hoje 40 anos sobre a independência de Moçambique. Deixo aqui um excerto do primeiro capítulo do meu livro de memórias, Um Rapaz a Arder, publicado em 2013.

«Moçambique tornou-se independente no dia 25 de Junho de 1975.
Na véspera não fui trabalhar. Era terça-feira mas deve ter havido tolerância de ponto. A época fria tinha começado e o tempo mantinha-se luminoso. Em Moçambique, o Inverno é seco. As chuvas chegam em Janeiro e Fevereiro, quando a temperatura sobe.
O jantar foi servido à hora do costume. Para surpresa de minha mãe, não acompanhei o Jorge à cerimónia que teve início no Estádio da Machava ao minuto zero do dia 25. Estavam lá muitos filhos da burguesia dourada, gente que não tinha sujado as mãos na guerra, preferindo viver anestesiada em Oslo ou Estocolmo. Alguns ficaram. A maioria regressou no primeiro avião ao borralho escandinavo.
Deitei-me cedo e lembro-me de acordar de madrugada com o estampido das balas de jubilação. A Frelimo tinha acabado de instaurar o regime de partido único. Naquele momento, alguns amigos que tinham celebrado a queda de Saigão como o advento de um mundo novo, gozavam as amenidades de Cape Town como lídimos herdeiros de Cecil Rhodes. Eu lia Alan Watts e queria acreditar num futuro que nunca chegou.
Nos termos da Constituição, tornara-me cidadão moçambicano.
A ideia de ser cidadão de uma república popular era um absurdo. Assim que a lei permitiu, o que aconteceu em Agosto, renunciei à nacionalidade que me fora imposta. A certidão de nascimento esclarece: “Perdeu a nacionalidade moçambicana, em 27 de Agosto de 1975.”
Tornara-me cidadão estrangeiro. Hélas! [...]
Deixei Moçambique no dia 8 de Novembro de 1975. Tinha 26 anos. Nesse sábado, em Lisboa, o Governo mandou dinamitar os emissores da Rádio Renascença, controlada pela extrema-esquerda

Para quem não sabe:
1. República Popular de Moçambique foi a designação oficial do país até 30 de Novembro de 1990. A partir daí adoptou a designação actual: República de Moçambique.
2. No dia 13 de Março de 1976, Lourenço Marques passou a designar-se Maputo.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

HOJE DE MANHÃ

 
Não foi exactamente «o Contrato», mas um Share Purchase Agreement, ou seja, um contrato-promessa de compra. Todavia, aconteceu. A imagem é do Expresso. Clique.

OPORTUNIDADES

Os detentores de cartão Pingo Doce passam a ter desconto no Oceanário do Parque das Nações? É que o equipamento foi concessionado à Sociedade Francisco Manuel dos Santos por um período de 30 anos, a troco de 24 milhões de euros (o OE 2015 previa 40 milhões). Belo negócio: o Oceanário tem cerca de um milhão de visitantes por ano.

AKRASIA

Se e quando Maria Luís Albuquerque impuser mais um enorme aumento de impostos, associado a novos cortes na Segurança Social, na Saúde e na Educação, Catarina Martins (BE) não pode dar um pio. Afinal, foi ela que ontem disse que o Syriza tinha conseguido uma grande vitória em Bruxelas. Grande parte dos deputados do Syriza não concordam, como fez saber Alexis Mitropoulos, vice-presidente do Parlamento grego, antecipando o chumbo do pacote negociado por Tsipras. Mas cada um vive na realidade que constrói.

terça-feira, 23 de junho de 2015

VERÃO ATENIENSE

Embora haja ainda «muito trabalho para fazer», como enfatiza Dijsselbloem, e a Alemanha tenha deixado claro que só liberta o dinheiro depois de ver as propostas de Tsipras aprovadas no Parlamento grego, onde cada vez mais deputados do Syriza se distanciam do modus operandi do primeiro-ministro, a Cimeira de líderes europeus terá olhado com benevolência para o novo caderno de encargos. Ou seja: aumento da idade de reforma para 67 anos; fim imediato das pré-reformas; extinção dos suplementos às reformas mais baixas; aumento das contribuições dos pensionistas para terem acesso à Saúde (5%); aumento da TSU (3,9%) para os patrões; aumento do IVA por intermédio da passagem de diversos produtos da taxa mínima para a máxima; aumento do IRC de 26% para 29%; corte de 200 milhões de euros na Defesa; introdução de um imposto de 12% nos lucros das empresas com lucros iguais ou superiores a meio milhão de euros; introdução de um imposto sobre iates privados; aumento do excedente orçamental primário no PIB. Enfim, nada que os portugueses não conheçam. Nada que Samaras não pudesse subscrever.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

DISCURSO DIRECTO, 4

Francisco Louçã, hoje no Público. Excertos, sublinhados meus:

«[...] Os mais cépticos, entre os quais me incluo, registam que, depois de uma queda de 61% da pensão média e com 45% dos pensionistas abaixo da linha de pobreza, mais 50% de jovens desempregados, há um limite humano para esta austeridade e que um acordo deve ter efeitos expansivos de curtíssimo prazo. Se amanhã é outro dia, para a Grécia será preferível sair do euro a aceitar mais austeridade e uma dívida em cavalgada.

Em todo o caso, para Atenas a incerteza é o pior dos purgatórios. Mil milhões de euros foram levantados dos bancos na sexta-feira [...] Se não houver acordo hoje, um controlo de capitais é necessário no dia seguinte, porque, se falhar o apoio do BCE, os bancos ficam imediatamente insolventes. [...]

Pelo seu lado, o Governo nunca apresentou esta “alternativa dracma”. Tsipras sabe que a Grécia depende do mercado interno, é uma economia menos aberta do que a portuguesa e a desvalorização não teria tanto impacto sobre as exportações, mas o turismo seria beneficiado e, sobretudo, a Grécia abateria 300 mil milhões das suas contas no momento em que declare o incumprimento. Abre uma batalha e pode preferir evitá-la, mas o maior custo financeiro é dos credores. A escolha é portanto unicamente política.

Quase toda a esquerda está a recuar perante a crise grega. [...] O que se decide na Grécia, por isso, é o fim de uma tragédia, se não for o princípio de outra. Hoje, só Atenas pode salvar a Europa.»

domingo, 21 de junho de 2015

DISCURSO DIRECTO, 3

José Pacheco Pereira, ontem no Público. Excertos, sublinhados meus:

«[...] Este tipo de campanha eleitoral é insuportável, e suspeito que vamos ver a coligação a “bombar” este tipo de invenções sem descanso até à boca das urnas. O PS ainda não percebeu em que filme é que está metido. [...] Será que não percebem o que se está a passar? Enquanto ninguém disser na cara do senhor primeiro-ministro ou do homem “irrevogável” esta tão simples coisa: “O senhor está a mentir”, e aguentar-se à bronca, a oposição não vai a lado nenhum. Por uma razão muito simples: é que ele está mesmo a mentir e quem não se sente não é filho de boa gente. Mas para isso é preciso mandar pela borda fora os consultores de imagem e de marketing, os assessores, os conselheiros, a corte pomposa dos fiéis e deixar entrar uma lufada de ar fresco de indignação.

Então como é? O país está mal ou não está? Está. Então deixem-se de rituais estandardizados da política de salão e conferência de imprensa, deixem-se de salamaleques politicamente correctos, mostrem que não querem pactuar com o mal que dizem existir e experimentem esse franc parler que tanta falta faz à política portuguesa.

Mas, para isso, é preciso aquilo que falta no PS (e não só), que é uma genuína indignação com o que se está a passar. Falta a zanga, a fúria de ver Portugal como está e como pode continuar a estar. Falta a indignação que não é de falsete, nem de circunstância, mas que vem do fundo e que, essa sim, arrasta multidões e dá representação aos milhões de portugueses que não se sentem representados no sistema político. Eles são apáticos ou estão apáticos? Não é bem verdade, mas, se o fosse, como poderia ser de outra maneira, se eles olham para os salões onde se move a política da oposição e vêem gente acomodada com o que se passa, com medo de parecer “radical”, a debitar frases de circunstância, e que não aprenderam nada e não mudaram nada, nem estão incomodados por dentro? Como é que se espera que alguém se mobilize com as sombras das sombras das sombras?

Enquanto isto não for varrido pelo bom vento fresco do mar alto, os lampeiros vão sempre ganhar. As sondagens não me admiram, a dureza e o mal são sempre mais eficazes do que o bem e muito mais eficazes do que os moles e os bonzinhos